A exposição “Nada. Somente fugir!“, Fuga e recomeço em Buenos Aires, Montevidéu e
São Paulo, está focada em três cidades que receberam pouca atenção como destinos
para os emigrantes judeus-alemães da Alemanha nazista. No exemplo de três espaços
urbanos se desenham as biografias familiares, desde a difícil decisão de emigrar até
as sequelas dessa cesura até os dias atuais.
A citação que serve de lema à exposição – Nada. Somente fugir! - alude aos
sentimentos de desesperança e medo que acompanhavam muitos emigrantes
judeus-alemães. Ela tem origem numa entrevista com Margarete Munk conduzida por
Corinna Below, no quadro do projeto “Um pedaço da Alemanha”
(https://einstueckdeutschland.com),
na qual Margarete Munk, então com 19 anos, fala de suas emoções ao deixar o país. É
o ponto de partida da exposição que delineia os diversos caminhos e processos de
organização. Nesta exposição, testemunhos pessoais como, por exemplo, fotos e
documentos, entrevistas com testemunhas contemporâneas e artigos de jornal, alguns
dos quais são apresentados ao público pela primeira vez, lançam luz sobre os
caminhos individuais, desde a decisão de emigrar até o desafio de chegar num país
desconhecido com novas condições de vida, e a complexa relação com a antiga pátria
nas décadas seguintes.
Num total de sete capítulos se apresentam as similaridades e diferenças entre várias histórias de vida e destinos dos emigrantes. Ao passo que os capítulos são dispostos verticalmente e apresentam cronologicamente a emigração e o que se segue, as etapas que aprofundam os vários temas nos três espaços urbanos são apresentadas horizontalmente para tornar mais compreensível o que se passa em cada uma dessas cidades. [Mais sobre a estrutura]
Uma exposição on-line tão abrangente não teria sido possível sem o apoio de vários indivíduos e instituições. Gostaríamos de agradecer especialmente todos os apoiadores que nos deixaram participar de suas histórias de vida e nos deram sua confiança tornando acessíveis objetos e testemunhos pessoais. Somente através dessas histórias de vida individuais fica palpável e compreensível o tema abstrato da fuga e de suas sequelas. Também estamos em dívida com as numerosas instituições na Argentina, no Brasil, no Uruguai e na Alemanha que nos ajudaram generosamente com recursos materiais. Outra colaboração importante foi a de Corinna Below e seu projeto Um pedaço da Alemanha (https://einstueckdeutschland.com), ao mesmo tempo inspiração e fonte para a exposição. Last but not least, gostaríamos de agradecer os estudantes da Universidade de Graz que, no semestre de verão de 2022, elaboraram o capítulo “Vor Ort” (in situ) contribuindo assim ativamente para a exposição.
Esta exposição é dedicada à emigração judaica para Argentina, Brasil e Uruguai. Embora os assuntos que preocupavam os fugitivos - a organização da emigração, as expectativas e realidades de vida na nova pátria e as consequências desta grande cesura biográfica e familiar - fossem semelhantes, as circunstâncias nos respectivos países mostraram-se diferentes. A exposição se baseia, portanto, na ideia de uma visão geral dos temas e estágios da emigração (estrutura dos capítulos), bem como na de ilustrar as vidas e os destinos individuais nesses três lugares: Buenos Aires, São Paulo e Montevidéu.
No início de cada capítulo, você pode decidir se quer se informar sobre um tema, como, por exemplo, “in situ” ou “O legado“, o que vale para todas as cidades, ou se prefere informar-se somente sobre uma cidade específica. As grandes telhas no início de cada capítulo podem ser usadas como ponto de entrada nas respectivas cidades: uma vez chegado na cidade de sua escolha, você pode avançar de slide em slide clicando nas teclas de seta. Em cada slide você pode ver em que cidade/país você está, para não se perder. Ao fim de uma unidade temática você pode pular diretamente à próxima unidade temática da cidade em pauta (indicada pelo símbolo de navio). Assim você pode descobrir as histórias e os vestígios dos emigrantes judeus-alemães em Buenos Aires, Montevidéu ou São Paulo. Ou você pode olhar a exposição em seu conjunto para descobrir desenvolvimentos paralelos e diferenças entre as três metrópoles. Neste caso, é só clicar os slides um depois do outro. É sempre possível alternar entre os fios temáticos ou geográficos).
Desde a difícil decisão de fugir até a chegada na nova pátria
Detlef Aberle nasceu em 1922 e viveu com os pais e a irmã mais nova Margot na Gryphiusstraße em Hamburgo-Winterhude, onde frequentou a Escola Lichtwark e, a partir de 1935, a Escola Talmud Torah. Num texto literário intitulado “Aufbau im Untergang” (Construção em meio ao declínio), que Detlef Aberle escreveu em alemão em 1988, ele descreve detalhadamente seus anos escolares. Também se lembra das experiências formativas da educação religiosa no templo na Oberstraße em Hamburgo-Harvestehude, onde ele foi treinado para chasan (precentor). A educação religiosa recebida no templo foi não apenas um importante ponto de ancoragem num ambiente cada vez mais hostil, mas também um importante apoio na vida futura de Detlef Aberle. A situação social e econômica cada vez mais ameaçadora, a partir de 1935, levou os pais de Detlef e Margot Aberle a pensar cada vez mais nas possibilidades de emigração e a empreender viagens exploratórias a vários países.
As condições incertas no exterior e as condições restritivas de emigração na Alemanha nazista dificultaram a decisão de emigrar. Finalmente, o pai conseguiu obter um visto de entrada para a Argentina, graças aos seus contatos comerciais na América do Sul. Na memória de Detlef Aberle, os preparativos da família para embarcar no navio para Buenos Aires no porto de Hamburgo, em maio de 1938, eram “febris”. Ele se lembra das compras apressadas do pai, normalmente tão economizador, nos meses antes da partida: ternos feitos sob medida ou mesmo um piano. Dessa maneira, ativos financeiros se converteriam em bens de mudança, os quais - assim se esperava - seriam colocados no navio rumo à Argentina, para formar a base da nova vida na terra desconhecida. O “imposto de fuga” do Reich, os impostos sobre objetos de mudança, assim como o baixo limite para levar divisas estrangeiras, e, ainda por cima, o bloqueamento dos depósitos bancários , significavam expropriação e empobrecimento. No trecho da conversa que Detlef Aberle conduziu em 2003 como parte do Workshop de Memória, ele fala das difíceis condições econômicas da emigração, especialmente para a classe média, para que um recomeço em outro país significava, em geral, um declínio social.
“Na Argentina foi melhor, mas não foi fácil conseguir um visto: para imigrantes judeus a imigração foi dificultada. Foi a época da famigerada Conferência de Evian onde ninguém mostrou grande interesse em aceitar pessoas perseguidas”.
Para organizar a emigração, no final do verão de 1938, Hanna Grünwald, que, em 11 de agosto de 1905, nasceu como Hanna Meyer em Bockenheim an der Weinstraße, passava um tempo na casa de parentes em Hamburgo. Naquela época seu irmão Ludwig já morava na Argentina e podia facilitar a imigração de Hanna, do marido Fritz e da filha Renate, de dois anos, por meio das chamadas llamadas. Apesar da garantia do irmão, na Alemanha a emissão dos documentos de saída necessários se mostrou difícil. Fritz Grünwald escreve sobre várias tentativas fracassadas no consulado argentino em Hamburgo e depositou suas esperanças na embaixada em Berlim. Provavelmente, as dificuldades vivenciadas por Hanna Grünwald e sua família se deviam ao agravamento da situação após a Conferência de Evian, em julho de 1938, na qual vários países sul-americanos – entre eles a Argentina - restringiram severamente a imigração de judeus. Como declarado na comunicação secreta de julho de 1938 (Ministerio de Relaciones Exteriores y Culto, Circular no. 11, Buenos Aires, 12.7.1938), a partir de então nenhum visto poderia ser concedido a pessoas que deixariam seu país de origem como “indesejáveis ou expulsas”. O decreto de 28 de julho de 1938 exigia, entre outras coisas, um visto do consulado argentino concedido no país de origem, bem como uma permissão de embarque, o que foi decidido por uma comissão. Licenças de imigração já concedidas foram revogadas, o que provavelmente também foi o caso de Hanna Grünwald. Finalmente a família conseguiu sair de Antuérpia rumo a Buenos Aires, via Le Havre, e começar uma nova existência na Argentina.
“Eu estava apenas feliz por emigrar. Ultramar! E por navio! Sin pena y sin gloria, como se diz: parti sem tristeza nem alegria. Nada. Somente fugir!”
Tal como Bremen, Hamburgo foi um importante porto de emigração para a América do
Sul. A maior parte da navegação privada só parou com o início da Segunda Guerra
Mundial, o que tornou a emigração ainda mais difícil, já que outras rotas tiveram
que ser buscadas. Para as empresas marítimas, o movimento de emigração foi um
negócio lucrativo, mas para os viajantes a partida em navio significou uma cesura
profunda e um desafio emocional. Ao passo que, em 1937, Margarete Munk embarcou no
Cap Arcona cheia de expectativa, Ruth Deutsch se lembra das aflições que sentia
embarcando no navio em Hamburgo, no dia 13 de abril de 1939, rumo a um futuro
incerto: “Eu me arrastei como se tivesse que ir ao cadafalso”.
Margot Aberle, que, aos 10 anos de idade, emigrou junto com os pais e o irmão Detlef
Aberle, relata a desesperança na hora de dizer adeus e o drama da partida saindo do
porto, o que, para seus pais, foi uma experiência angustiante e traumática.
Para muitos judeus alemães, a decisão de deixar Hamburgo para procurar exílio e assim escapar ao terror nazista foi difícil. Pois significava deixar para trás a acostumada vida burguesa, abandonar parentes e amigos íntimos, por exemplo nos clubes esportivos, dissolver seus queridos apartamentos ou casas e encarar de frente a brutal realidade da Alemanha nacional-socialista. No início do governo nazista, muitos ainda hesitavam em dar esse passo e consideravam a emigração rumo ao desconhecido um ato tolo e desnecessário – em retrospectiva, uma avaliação totalmente errada. Outros, porém, consideravam a emigração como única solução, imediatamente depois da tomada do poder pelos nacional-socialistas. Assim, a partir de 1933 começou um movimento de emigração principalmente voltado aos países vizinhos ou países-alvo conhecidos, como os EUA ou o Mandato Britânico da Palestina. Só muito aos poucos o Brasil se tornou um destino, pois existiam poucas informações sobre o país, e as normas de imigração eram restritivas. Apesar disso, Walter Silberberg emigrou para o Brasil no dia 21 de fevereiro de 1936. Sua futura esposa, Gerda Kohn, só conseguiu um visto em setembro de 1936 para se juntar a Walter no Brasil. Os pais de Gerda Kohn, que ainda esperam escapar a um tal desenraizamento, tiveram muito mais dificuldades. Foi somente no dia 10 de janeiro de 1939 que Emma Kohn conseguiu fugir para o Brasil através do porto de Hamburgo. Seu marido Arnold Kohn a seguiu no dia 14 de abril de 1939.
“Em 12 de março de 1937, poucos minutos depois da meia-noite, o vapor partiu. Após a tensão nervosa dos últimos dias, respirei aliviado”.
Em decorrência da crescente perseguição no Estado nazista, cada vez mais judeus decidiram emigrar. Hamburgo se tornou um lugar central para os emigrantes, já que muitos consulados (gerais) se encontravam na cidade hanseática. Também o Consulado Geral do Brasil se tornou um ponto de contato, uma vez que aqui se podia solicitar os relevantes documentos de entrada. Desde 1936, Aracy Moebius de Carvalho trabalhou aí no departamento de vistos e ajudou muitos judeus a obter os necessários documentos de viagem. Embora desde 1937, sob Getúlio Vargas, o Brasil tivesse escolhido um curso nacionalista e em 1938 quisesse impedir a imigração judaica como comunicado em carta secreta para todas as missões diplomáticas, Aracy continuou seu trabalho de assistência aos judeus. Quando, em 1938, João Guimarães Rosa, futuro marido de Aracy, chegou em Hamburgo como vice-cônsul da representação brasileira, ambos intensificaram sua ajuda aos fugitivos, razão pela qual Aracy, em particular, mais tarde recebeu o apelido “Anjo de Hamburgo”. O médico de Hamburgo, Dr. Moses Goldschmidt, também se beneficiou deste apoio. Ele já viajara ao Uruguai / Brasil em 1937 para visitar os filhos Hans Werner (emigrado em 1932) e Gerhard Wolfgang (emigrado em 1934) e para assistir a um casamento. Foi somente após um duro interrogatório pela Gestapo e pagamentos compulsórios adicionais que ele pôde fazer esta viagem. Apesar disso, ele retornou à Alemanha Nacional Socialista e solicitou um visto de entrada para o Brasil só em 1939, que ele recebeu no Consulado Geral em Hamburgo, no dia 10 de fevereiro de 1939.
“O porto de Hamburgo, um vaivém apressado, muita agitação, uma grande despedida. - Um navio saindo rumo ao mundo distante. – Distanciada das outras pessoas que trocavam últimas palavras apressadas e uns últimos olhares, uma mulher estava sentada bem quietinha num canto do navio. [...] Mais uma vez elas surgiam diante dela, estas imagens do marido cujo túmulo estava deixando para trás, sua cidade, os filhos, os amigos, os anos da juventude e da felicidade”.
Para muitos judeus, a partida foi um desafio: embora oficialmente continuassem sendo cidadãos alemães, eles tinham que suportar pesadas chicanas. Os passaportes de Walter Silberberg e Gerda Kohn (depois Silberberg) são uma prova dos obstáculos que o regime nazista colocou no caminho dos refugiados. Além dos passaportes alemães, os emigrantes precisavam de um visto brasileiro. Além disso, eles tinham que declarar todos os seus haveres, pagar o chamado “imposto de fuga” e apresentar o apagamento do registro policial. Por causa dessas numerosas regulamentações só poucas famílias conseguiram partir num mesmo navio, muitas tiveram que emigrar cada um por si. Walter Silberberg deixou Hamburgo no dia 21 de fevereiro de 1936 e chegou a Santos, o porto de imigração brasileiro, em 12 de março de 1936. Gerda Kohn, que seguiu seu posterior marido Walter no exílio, embarcou no navio em Hamburgo sozinha, no 1º de setembro de 1936 e chegou a Santos no dia 26 de setembro de 1936. Para muitos a travessia foi surreal: cheios de preocupações pelos familiares deixados para trás, e cheios de esperança de terem um bom recomeço no novo país, o navio se tornou um lugar entre dois mundos. Com a entrada dos EUA na guerra, em 1941, e a declaração de guerra às potências do Eixo pelo Brasil, em 1942, a emigração por meios legais tornou-se quase impossível, já que, devido à entrada do Brasil na guerra, o Consulado Geral em Hamburgo fechou as portas, e o Cônsul Geral, como todo o resto do pessoal da embaixada, entre eles o Vice-Cônsul João Guimarães Rosa e a funcionária da embaixada Aracy Moebius de Carvalho, retornaram ao Brasil, o que pôs um fim à assistência direta aos fugitivos em Hamburgo.
[Leia mais: Expectativas do Brasil, a nova pátria]“E a escolha, naturalmente, recaiu sobre a América do Sul”.
Rudolf Heymann nasceu em 1925, e cresceu no distrito de Eppendorf no seio de uma família judia liberal, em grande parte assimilada. Quando, no início de 1938, o regime nazista retirou ao pai, que comprava e vendia peles e outros produtos animais, a permissão de exportação e importação, a família começou a planejar a emigração. Ao contrário da maioria dos que emigraram para a América do Sul, o pai não só tinha conhecimentos linguísticos, mas também contatos comerciais e um chamado “passaporte argentino de honra“, que lhe permitia a entrada sem visto na Argentina. No entanto, a família decidiu começar a nova vida em Montevidéu, no Uruguai, onde o pai também tinha contatos comerciais. A chegada foi relativamente fácil devido aos contatos locais, como Rudolf Heymann lembra na entrevista que, em 1995, deu à Werkstatt der Erinnerung (workshop de memória). Mas apesar desses importantes contatos, os pais não conseguiram criar raízes no Uruguai a longo prazo, nem superar seu desarraigamento. A família Hammerschlag também se preparava para emigrar para o Uruguai. Margot Hammerschlag se apercebera bem cedo da gravidade da ameaça representada pelos nacional-socialistas e se esforçou para encontrar uma possibilidade de fuga para a família. Em outubro de 1938, ela conseguiu arranjar quatro vistos de entrada para a imigração da família no Uruguai. Os primeiros a partir para Montevidéu foram o marido, Franz Hammerschlag, e o filho Gerd para organizar condições de vida para a família. Inicialmente, ela mesma e a filha Steffi (depois Wittenberg) ficaram em Hamburgo para dissolver a casa. A foto do grupo foi tirada durante uma estadia de três semanas de Steffi Hammerschlag no Lar de Recreação Juvenil Judaico na Wilhelminenhöhe em 1939 - cerca de seis meses antes da emigração de mãe e filha. Foi uma última tentativa de manter uma rotina do dia a dia numa situação de emergência cada vez mais ameaçadora”.
“O Cônsul Geral do Uruguai em Hamburgo [...] se chamava Rivas, e este Cônsul Rivas salvou todas as vidas deles, mais de cento e cinquenta judeus na famigerada Reichskristallnacht (Noite dos cristais). Naquela noite, os judeus que os nazistas não puderam levar aos campos de concentração, e que já se haviam apresentado pelo menos uma vez no consulado ou na embaixada, foram à embaixada do Uruguai para procurar refúgio”.
Os consulados e embaixadas desempenharam um papel central no processo de emigração: por um lado, eles foram um ponto de contato esperançoso para aqueles que tentavam escapar ao terror nazista. Por outro, eles eram uma autoridade reguladora que conseguia impor os regulamentos de imigração dos países de destino in loco e em contato pessoal. As decisões dos funcionários do consulado muitas vezes tinham consequências de grande alcance. As margens de manobra que, neste contexto, podiam ser negociadas e a avaliação do comportamento das pessoas envolvidas dependia de muitos fatores. Um caso muito bem documentado e complexo foi o do funcionário municipal alemão Alexander Katzenstein no Consulado Geral do Uruguai em Hamburgo. Nascido em Hamburgo em 1902 e de origem judaica, era funcionário no consulado desde maio de 1938 e, desde novembro de 1938, também tinha a ver com os solicitantes, devido ao aumento das solicitações. Ele admitiu às autoridades nazistas que havia aceito propinas. Por isso, no verão de 1939, ele foi preso por delitos de divisas e desvio de fundos e teve que cumprir uma pena de prisão de seis meses. Depois disso, teve que fazer trabalhos forçados e, em fevereiro de 1945, foi deportado para Theresienstadt. As duas acusações também foram citadas na carta à Receita Federal Rechtes Alsterufer Hamburg, de 16 de maio de 1939, como razão por que Alexander Katzenstein não receberia, por enquanto, um certificado de que não existiam dívidas fiscais, um documento que, provavelmente, ele havia solicitado em preparação da própria emigração. Nos anos 50, Katzenstein tentou obter uma indenizaçaõ pela prisão, citando sua própria situação de perseguido e de emergência, que incluía a emigração fracassada de sua família para o Uruguai.
Steffi Hammerschlag (depois Wittenberg) cresceu em Hamburgo-Harvestehude, no seio de uma família judaica liberal. Depois que o pai e o filho já haviam emigrado em outubro de 1938, os vistos emitidos no consulado para a mãe e a filha as quais estavam para se juntar aos outros após a dissolução da casa, foram declarados inválidos pelo governo uruguaio devido a alegações de suborno contra o cônsul. Para financiar os novos vistos - os custos tinham aumentado consideravelmente - Franz Hammerschlag criou um comércio privado de chocolate na comunidade judaico-alemã em Montevidéu. Foi somente em dezembro de 1939 que Margot e Steffi Hammerschlag conseguiram obter outra licença de saída via Antuérpia para Montevidéu, por um período de um mês. Durante a travessia, Steffi Hammerschlag, na época com 13 anos, escreveu em seu caderno o poema “Eine Seefahrt” (Uma viagem marítima), que ela havia começado logo após o início da guerra. Os versos dão uma visão infantil dos passageiros que viajavam com ela e, ao mesmo tempo, surpreendem pela banalidade do dia a dia que é descrito, o que deixa entrever o tédio (infantil) durante a travessia. Na entrevista que, junto com o marido Kurt Wittenberg, Steffi Wittenberg deu à Werkstatt der Erinnerung (workshop de memória), ela se lembra da atmosfera agradável. Especialmente depois de saírem das águas europeias, diz ela, se instalou uma sensação de liberação.
[Leia mais: Expectativas da nova pátria desconhecida, o Uruguai]Vagas ideias acerca do país de destino e as primeiras experiências no local.
Já que os emigrantes tinham poucos conhecimentos acerca dos países de destino, a “Associação de ajuda dos judeus na Alemanha” (Hilfsverein der Juden in Deutschland) publicou folhetos com informações. Em 1939 saiu a segunda edição do folheto “Emigração Judaica para a América do Sul”, que já informava sobre o endurecimento do regulamento de emigração decorrente da Conferência de Evian de julho de 1938. Após um breve resumo, o texto sobre a Argentina se dedica ao clima, à população, à vida social e cultural e - muito detalhadamente - à economia do país. Além de explicações sobre os costumes sociais, o folheto dedica um espaço especial à avaliação das oportunidades no mercado de trabalho, já que havia uma discrepância entre as profissões comerciais e acadêmicas dos imigrantes judeus-alemães e a demanda de mão-de-obra na Argentina, que se concentrava principalmente no setor agrícola. Cursos de requalificação profissional visavam a facilitar a integração e a criação de uma nova existência no exílio. Além dessas publicações, os quase 300 centros de orientação da Associação de ajuda (o Hilfsverein), por exemplo em Hamburgo, que entre outras coisas organizaram palestras vespertinas sobre a emigração, serviram de fonte de informação para os emigrantes. A citação de Ilse Kramer que em 1934 emigrou para a Argentina via o porto de Hamburgo, refere-se às esperanças (infantis) associadas à emigração - pelo menos no início dos anos 30: “Minha mãe me disse ainda no navio em Hamburgo: “Oh, não é ruim partir assim?' E eu respondi: “Vou ser a tia rica da América.”
Até os anos 40, um documento pessoal - como o de Albert Einstein - foi emitido a cada pessoa entrando no país. Com isso, os recém-chegados podiam obter assistência no chamado Hotel de Inmigración, que existiu entre 1911 e 1953 e durante os primeiros cinco dias ofereceu aos imigrantes hospedagem e refeições gratuitas. Em contrapartida, esperava-se que os recém-chegados procurassem um trabalho, com a ajuda do centro de emprego. Além dos dormitórios com cerca de 250 camas - no total, o hotel tinha espaço para 3.000 pessoas -, e das salas de jantar e de recreação, o complexo dispunha de um banco para o câmbio de moedas estrangeiras, uma agência de correios para o contato com a família e um hospital. Cursos de formação e de reconversão profissionais foram oferecidos a homens e mulheres. Assim, o estabelecimento era tanto uma instituição de apoio aos recém-chegados como um instrumento de controle da migração. Paralelamente, os imigrantes judeus alemães criaram uma rede de apoio que também ajudou na busca de alimentação, de alojamento e de trabalho. O ator central foi a Asociación Filantrópica Israelita, associação de ajuda aos judeus de língua alemã. Em 1985, o Museo de la Inmigración, dedicado à história da imigração, foi fundado no mesmo complexo imobiliário do Hotel de Inmigración. A importância da migração para a Argentina fica evidente cada ano no Día del Inmigrante, celebrado em 4 de setembro.
[Leia mais: A vida em terreno argentino]“Para os que deixam o país de origem para trás uma vez por todas, dispostos a trabalhar, trabalhar duro até, e para todas os jovens cheios de energia, o Brasil é o país do futuro. Mas para pessoas mais velhas e fisicamente menos fortes, aqui como em qualquer lugar do mundo, se não têm dinheiro suficiente, tudo fica difícil”.
Pouquíssimos judeus alemães tinham ideias precisas acerca do Brasil. Para a grande maioria, o Brasil foi um país desconhecido. Moses Goldschmidt, que já viajara ao Brasil em 1937 para assistir ao casamento do filho, fazia parte de uma pequena minoria de refugiados que sabia o que os esperava. Outros, entretanto, tiveram que colecionar informações lendo artigos de jornais, folhetos ou livros como o de Herbert Frankenstein, por exemplo. Eva Sopher (née Plaut) relatou: “Atravessamos o oceano sem saber o que nos esperava, sem falar a língua do país escolhido. De fato, não sabíamos nada sobre nosso novo lar. De maneira que não surpreende que eu esperasse ver macacos na rua.” As ideias dos fugitivos restavam vagas, em parte porque os livros apresentavam imagens bastante estereotipadas. O livro de Herbert Frankenstein “O Brasil, país de acolhimento”, por exemplo, falava do “clima saudável”, do “boom econômico” e da “estabilidade política do país” para atrair imigrantes. Ao mesmo tempo, o livro exortou os imigrantes a observarem os “três deveres do emigrante judeu": 1º não colocar em risco os “interesses gerais da emigração judaica” por ações radicais; 2º buscar a integração nas comunidades judaicas e não sobrecarregar os sistemas sociais; 3º apoiar a Associação de ajuda dos Judeus alemães por meio de doações, para possibilitar a emigração de outros judeus.
“Nós emigramos somente em 1939. Com o penúltimo navio, por assim dizer. Partimos de Hamburgo no “Antonio Delfino”. Quando a guerra eclodiu, estávamos a caminho e eles queriam nos mandar de volta. Depois chegamos em Pernambuco, no Brasil. Éramos cerca de 150 judeus no navio. Os judeus alemães do Brasil nos salvaram. De alguma forma eles tinham conseguido negociar com a companhia de navegação."
Sob a crescente pressão e a cada vez mais violenta perseguição e o ostracismo dos judeus na Alemanha nazista, a pergunta já não era “Partir ou ficar?” mas “Para onde ainda podemos emigrar?” Ainda por cima, em 1939 eclodiu a Segunda Guerra Mundial, o que dificultou a emigração ou imigração ainda mais. Edith Nassau, que estava a bordo do navio “Antonio Delfino” no momento da eclosão da guerra, no fundo deveria ser rejeitada enquanto cidadã alemã. Através da intervenção das comunidades de refugiados judeus-alemães no Brasil, Edith Nassau conseguiu finalmente imigrar, junto com outros 149 judeus. As possibilidades de emigração cada vez mais reduzidas muitas vezes rasgaram famílias inteiras. Para estas famílias, o único meio de comunicação de que ainda dispunham foram as cartas. Moses Goldschmidt que, em 1939, fugira para o Brasil junto com os dois filhos, Hans Werner e Gerhard Wolfgang, escreveu para a filha Ellen, em 1941: “Se tem que aceitá-lo de cabeça erguida e agir da melhor maneira possível. Embora para mim seja extremamente doloroso saber vocês [Ellen e o marido] tão longe de mim, estou feliz por saber que agora vocês estão longe da Europa, ...” Enquanto Moisés Goldschmidt encontrara refúgio com seus filhos no Brasil, a filha Ellen fugiu de Vichy, França, para a Índia por desvios sinuosos. As cartas de correio aéreo restaram como único meio de contato, mas até este foi dificultado pelas longas rotas postais e pelas medidas de censura.
Em dezembro de 1939, Steffi Hammerschlag (depois Wittenberg) emigrou, aos 13 anos de idade, junto com a mãe, Margot Hammerschlag, para se juntarem ao pai e ao irmão em Montevidéu. Embora ela se perguntasse como tudo seria no país desconhecido, o Uruguai, como criança ela se guiava pelos pais, como lembra na entrevista de 1995. De fato, os refugiados tinham poucos conhecimentos acerca das condições de vida, do clima e da sociedade no Uruguai. No entanto, o país era considerado a “Suíça da América do Sul” e, de fato, foi percebido pelos recém-chegados - como por Steffi Hammerschlag - como europeu, o que pode ser atribuído ao clima, à arquitetura e às condições sócio-políticas do país. As expectativas incertas ficam bem visíveis nas diferentes impressões dos portos onde o navio fez escala: ao passo que Steffi ficou chocada com o atraso dos portos brasileiros de Pernambuco e do Recife, ela ficou impressionada pelo caráter metropolitano do Rio de Janeiro. Montevidéu imediatamente lhe pareceu “bonita” e familiar devido ao seu toque europeu. Esta avaliação positiva, claro está, também se devia ao fato de que a chegada em Montevidéu significava a reunificação da família.
Para a família Rudolf Heymanns, assim como para Margot e Steffi Hammerschlag, a chegada no Uruguai foi mais fácil do que para outros imigrantes, devido aos contatos pessoais e, no caso dos Heymann, também aos conhecimentos linguísticos. Ao mesmo tempo, Montevidéu, como “cidade moderna” - conforme rezava o folheto sobre emigração para a América do Sul, reimpresso em 1939 - oferecia uma boa infraestrutura com “os mais modernos hospitais e escolas”, onde “o nível de vida e da cultura” estava em pé de igualdade com “qualquer grande cidade europeia”. Ao passo que as formalidades burocráticas foram realizadas relativamente rápido – já em fevereiro, um mês após a chegada, Steffi Hammerschlag recebeu a carteira de identidade pelas autoridades uruguaias - para a maioria dos imigrantes a integração econômica e social foi muito mais difícil.
Condições sociais, políticas e econômicas gerais.
Até 1930, a Argentina seguia uma política de imigração bastante liberal, baseada na Constituição de 1853 que foi influenciada por Juan Bautista Alberdi e sua máxima “Gobernar es poblar” (“Governar é povoar"). O objetivo era povoar as planícies férteis com europeus, de preferência da Espanha e da Itália, para desbravá-las para a agricultura. No decorrer dos anos 30, o “porto seguro” que foi a Argentina tornou-se um destino cada vez mais difícil para os refugiados devido à antidemocrática evolução interna e ao golpe militar contra o presidente Hipólto Yrigoyen, em 1930. A partir de 1º de janeiro de 1933, a imigração só foi possível através da “llamada”, ou seja, de uma permissão de reagrupamento familiar, ou de um visto agrícola entregado pela Associação Judaica de Colonização (JCA). Ao passo que muitos judeus da Europa Oriental e da Rússia imigrados nos anos 1910 podiam se radicar nas colônias agrícolas da JCA, isto não era possível para os refugiados judeus da Alemanha nacional-socialista, tampouco para os da Europa Central, já que estes não tinham uma formação adequada ou uma educação agrícola prévia. Apenas 5% dos aproximadamente 25.000 judeus de língua alemã que emigraram para a Argentina entre 1933 e 1939 se mudaram para o interior depois de chegarem em Buenos Aires. No dia 12 de julho de 1938, o Ministro das Relações Exteriores da Argentina, José Mariá Cantilo, assinou a Circular 11 que instruía todas as missões diplomáticas de deixar de emitir vistos e passaportes a “indesejáveis”. Sem utilizar a palavra “judeus”, as regras de entrada foram consideravelmente reforçadas. Apesar disso, até 1945 entre 40.000 e 45.000 judeus conseguiram encontrar proteção na Argentina.
Muitos dos judeus de língua alemã se estabeleceram no bairro “Belgrano”. A importância do bairro fica evidente no fato de que aí se desenvolveu uma língua especial de imigrantes, o “Belgrano Alemão”. Trata-se de uma mistura entre o alemão e o espanhol, o que revela a realidade de uma vida dividida desses judeus. Uma tal aglomeração nos centros urbanos, porém, estava em contradição com as “exigências de uma política de imigração saudável”, conforme estabelecido no preâmbulo do Decreto de Imigração assinado em 28 de julho de 1938, que estava relacionada à Conferência de Evian e que, em nível internacional, isentava a Argentina de aumentar as oportunidades de imigração. Uma vez que a industrialização dificilmente podia se desenvolver na Argentina devido à falta de depósitos de ferro e carvão, a produção de produtos agrícolas e matérias-primas como carne bovina, trigo ou lã continuaram sendo os produtos principais. Assim, a demanda por acadêmicos e comerciantes era pouca. No futuro, somente grupos de pessoas escolhidas a dedo foram autorizados a imigrar, seja que dispusessem de contatos familiares ou de meios suficientes ou que correspondessem às exigências do mercado de trabalho, como, e.g., especialistas técnicos, colonos contratados ou trupes de teatro obrigadas por contrato a se apresentarem na Argentina.
No bairro de Belgrano se desenvolveu um meio judaico especial de língua alemã, o que permitiu a manutenção de laços culturais e linguísticos. A Escola Pestalozzi (Belgrano), por exemplo, tornou-se um ponto fixo cultural para muitos judeus de língua alemã que mantinham sua língua de origem no exterior.
“O modelo foi o do Judaísmo da Europa Central, mais precisamente no que se refere à sua organização e à mentalidade dos judeus [comentário escrito à mão: “germanófonos"] alemães."
O Brasil tinha uma longa história como país de imigração - também para os judeus. Já com a expulsão dos judeus da Península Ibérica em 1492 e 1496, pequenos grupos de judeus sefarditas começaram a imigrar no Brasil. No século XIX, seguiram-se principalmente os judeus da Europa Oriental, ou seja, da região asquenaze. Também devido a esta imigração, em São Paulo e no Rio de Janeiro se formaram pequenas porém ativas comunidades judaicas. Em São Paulo, os judeus se estabeleceram principalmente nos distritos do Bom Retiro e da Mooca, com os judeus asquenaze se estabelecendo principalmente no Bom Retiro e os judeus sefarditas na Mooca. Um sinal da vitalidade da comunidade judaica asquenaze é a moderna sinagoga Beth El, construída no Bom Retiro em 1929.
Os judeus germanófonos perseguidos pelos nacional-socialistas que, a partir de 1933, chegaram no Brasil formaram suas próprias comunidades, por exemplo em São Paulo e no Rio de Janeiro. Sob o rabino Fritz Pinkuss foi fundada a Congregação Israelita Paulista (CIP) em São Paulo, com o intuito de oferecer uma “casa” para todos como comunidade unificada. Entre 1931 e 1935 chegaram no Brasil cerca de 13.975 judeus, com outros 10.600 chegando entre 1936 e 1939. Até a entrada do Brasil na guerra, em 1942, que destruiu todas as possibilidades de imigração, um total de cerca de 25.000 judeus tinham encontrado refúgio neste país.
A imigração de judeus para o Brasil foi determinada por razões de “utilidade”, o que se deveu principalmente a mudanças políticas no Brasil na década de 1930. Essas mudanças foram iniciadas por Gétulio Vargas, que se tornou presidente em 1930 e que, a partir de 1937, estabeleceu um regime autoritário, o chamado Estado Novo, que em parte seguia ideias antissemitas, racistas e anticomunistas.
Em analogia aos discursos europeus, os judeus foram classificados como raça não-assimilável e oficialmente discriminados nas diversas leis de imigração dos anos 30 e 40, que estabeleceram cotas para diferentes grupos. Além disso, em 1937, o governo enviou a todas as embaixadas e consulados brasileiros a Circular 1.127, uma ordem secreta proibindo a emissão de vistos e passaportes a judeus.
Ao mesmo tempo, o Estado brasileiro criou exceções na lei de imigração para possibilitar a entrada de trabalhadores especiais para a agricultura, a pesquisa e a educação nas universidades e nas academias de belas-artes, apesar das restrições antissemitas em vigor. Esta possibilidade de imigração, porém, estava aberta a um bem pequeno número de pessoas.
Como país escassamente povoado, o Uruguai estava interessado em atrair imigrantes ao país. Assim, a lei de imigração uruguaia era liberal e sem muitas restrições. Com a crise econômica mundial na Grande Depressão de 1929, o Uruguai reforçou as leis de imigração para proteger a mão de obra local. Nos anos seguintes, as pessoas desejando imigrar tinham que entregar cada vez mais documentos e cumprir certos critérios. Por exemplo, exigiam-se certificados de capacidade de trabalho, uma certidão de registro criminal, um certificado de boa saúde, e os com mais de 60 anos tinham que ter parentes no país que pudessem sustenta-los. A partir de 1930, houve uma mudança política no Uruguai. O recém-eleito presidente Gabriel Terra erigiu uma ditadura. Ideologicamente, ele se orientava pelos regimes fascistas da Europa e estava próximo da Alemanha nazista. No entanto, a maioria da população uruguaia rejeitou o nacional-socialismo. Em 1938, sob o novo presidente Alfredo Baldomir, o país voltou à democracia. Na política externa, o Uruguai se aproximou dos Aliados, e em fevereiro de 1945 entrou na Segunda Guerra Mundial do lado desses. Não houve nenhum endurecimento das leis de imigração, como acontecera sob o governo anterior.
A imigração judaica para o Uruguai está documentada desde o início do século 20. Para o período de 1933 a 1944, dados exatos sobre o número de migrantes judeus quase não existem. Uma estimativa realista vai de 6.000 até 10.000 imigrantes judeus cujo destino principal era Montevidéu. Muitos dos judeus de língua alemã utilizaram a rota de emigração a partir de Hamburgo ou Bremen. Ao mesmo tempo, a imigração frequentemente passava por países de trânsito, como a França ou a Itália. Um fator importante a favor do Uruguai, de resto bastante desconhecido como país de imigração, foi que ele sobrou como um dos poucos países que ainda acolhiam imigrantes. Por exemplo, não havia nenhuma lei que excluía especificamente os judeus da imigração, mas a partir de 1938 também o Uruguai exigia documentos adicionais, tais como um certificado de boa conduta emitido pela polícia ou pelo poder político. Uma tentativa de conseguir tal exclusão através de uma circular do Ministério das Relações Exteriores enviado às embaixadas e aos consulados uruguaios, não teve êxito. Apesar das advertências dos conservadores de direita de que a imigração judaica significaria uma concorrência para os trabalhadores locais, não houve mais regulamentações por parte do governo. Uma permissão de trabalho não foi necessária. Os chamados trabalhos de entrada, como a venda de sorvetes e flores, foram muitas vezes a primeira oportunidade de ganhar dinheiro. As mulheres frequentemente ofereciam serviços domésticos. Porém, para muitos judeus de língua alemã os primeiros anos significaram um declínio profissional e social. Aqueles que conseguiram fugir para o Uruguai estabeleceram uma ampla rede de organizações e instituições, tais como uma sinagoga, associações políticas, instalações recreativas e iniciativas culturais. Em 1936, membros do “Clube Cultural dos Trabalhadores de Língua Alemã” fundaram a Escola Pestalozzi com o intuito de criar um contrapeso à politicamente controlada Escola Alemã Montevidéu, que só existia até 1940. Depois de 1945, muitos judeus de língua alemã emigraram para os EUA e Israel devido a laços familiares, perspectivas econômicas e desenvolvimentos políticos locais.
Recomeço entre medo, esperanças e saudade.
A Sociedade Pestalozzi foi fundada em 1934 pelo editor do Jornal (Tageblatt) Israelita, Ernesto Alemann, que tinha raízes suíças e tomou ativamente posição contra o Nacional Socialismo, o que fez com que, em 1936, a Universidade de Heidelberg o privasse de seu grau de doutor. Em reação à crescente influência do nacional-socialismo dentro da comunidade de língua alemã em Buenos Aires e em consciente oposição política a este, Alemann queria fundar uma escola que fosse um lugar para aqueles que tinham fugido do regime nazista e se comprometiam com as tradições humanistas e democráticas. Em 1938, o prédio da escola estava pronto. A fim de fortalecer a posição da escola contra os críticos, os responsáveis buscaram (com sucesso) a intercessão de renomados intelectuais de língua alemã: em várias cartas de congratulação à escola, escritas por personalidades famosas como Albert Einstein, Thomas Mann, Sigmund Freud ou Stefan Zweig - este último até frequentou a Escola Pestalozzi - a importância da escola foi conhecido além dos círculos de emigração na Argentina, o que foi considerada um sinal importante. Para as crianças dos emigrantes germano-judaicas, como Margot Aberle Strauss, a escola se tornou um lugar central de suas novas vidas; aqui elas encontravam pessoas com experiências semelhantes, podiam se comunicar na língua familiar e ao mesmo tempo aprender a língua da nova pátria.
“Quão rapidamente, na terra dos céus azuis, se esqueceu aquela melodia básica dos dias escolares, essa sensação de “construção em meio ao declínio”. Aqui não tínhamos que atravessar o frio."
Em abril de 1937, Anna Hess, na época com 82 anos, escreveu a primeira carta à filha Martha ("Muckchen") Meyer, que emigrara com a família de Hamburgo para Buenos Aires. Durante cerca de seis anos, mãe e filha falavam uma à outra sobre suas vidas diárias. Enquanto Martha Meyer conseguiu construir uma nova vida na Argentina, a vida diária da mãe foi marcada por crescentes restrições e privações de direitos. As notícias da filha deram a Anna Hess uma vitalidade, escrever e enviar cartas lhe deram uma estrutura: ela e a filha estudavam os horários dos navios para escrever as respostas no momento justo para encurtar o tempo do transporte. A filha deixou sua mãe participar de sua nova vida através de descrições detalhadas e, assim, abriu à mãe outro mundo, fora do horizonte dela, o que lhe proporcionou uma fuga temporária da sua vida cotidiana cada vez mais deprimente na Alemanha nacional-socialista. As últimas linhas de Anna Hess, nas quais ela anunciava sua “grande[] jornada[] planejada de havia muito” - significando sua iminente deportação para Theresienstadt - de 8 de junho de 1943, só chegaram em mãos da filha em 1946, quando Anna Hess já estava morta havia três anos. As cartas da mãe foram preservadas pela família na Argentina até que a bisneta Madelaine Linden se responsabilizou delas e as publicou em 2017. (Mais informações: https://www.swr.de/swr2/leben-und-gesellschaft/die-briefe-der-juedin-anna-hess-100.html e Madelaine Linden, Anna Hess. Cartas de uma mulher judia de Hamburgo para a filha em Buenos Aires, de 1937 a 1943, 2017).
“A grande maioria só pode levar uma existência burguesa muito modesta ou já proletarizada"
Para a maioria das famílias, a nova vida trouxe um declínio social. A fim de reduzir o impacto das dificuldades econômicas e facilitar a chegada num país desconhecido, uma extensa rede de serviços de apoio se desenvolveu entre os recém-chegados judeus alemães, liderados pela associação de ajuda Asociación Filántropica Israelita. Seu boletim informativo “Filantropía” falava das atividades de ajuda, pedia doações, colocava anúncios de pequenas empresas, mas também informava sobre a situação política na Alemanha ou sobre as comunidades de emigrantes em outros países. As atividades da associação de ajuda não só cobriam diferentes áreas como o bem-estar social, educação ou cultura, mas também se ocupava de diferentes grupos e faixas etárias. Assim, por exemplo, foi criada uma associação de mulheres, bem como um lar para crianças e um asilo de idosos. Além de instalações para as necessidades diárias, como, por exemplo, uma sala de costura ou uma loja de roupas, havia também ofertas educacionais e de entretenimento, tais como um círculo de leitura ou cursos em espanhol.
Para muitos judeus alemães que foram para o exílio, a família se tornou uma âncora importante. Ainda no ano em que fugiram para o Brasil, Walter Silberberg e Gerda Kohn, por exemplo, se casaram em São Paulo (dia 28 de setembro de1936). Muitas vezes, judeus alemães refugiados se casaram com outros judeus alemães também refugiados, já que tinham em comum a língua e a cultura alemãs, e também experiências de fuga e de expulsão muito semelhantes. Assim se criaram vínculos profundos que ajudaram a lidar com os desafios do exílio. Uma retirada completa à esfera privada e familiar, porém, não foi possível, já que os refugiados tinham que enfrentar a realidade circundante.
Além disso, perguntas sobre a própria identidade e filiação estavam sempre no ar. Em outubro de 1936, Gerda Silberberg (née Kohn) conseguiu que seu casamento fosse reconhecido pelo Consulado Geral da Alemanha em São Paulo e fosse registrado em seu passaporte, pois entendia que este era um dos deveres de uma cidadã alemã. No entanto, um registro no seu passaporte feito pelas autoridades alemãs, em 6 de fevereiro de 1939, deixa claro o quanto estas questionaram sua filiação alemã. Uma nota do Consulado Geral da Alemanha em São Paulo estipulou que, a partir de então, Gerda Silberberg tinha que usar o nome “Sarah”, o que mostra que a legislação difamatória e antissemita da Alemanha nazista também foi aplicada no Brasil.
“... porque quem sabe quando esta guerra terminará, se com minha pouca saúde e idade avançada ainda viverei para ver o fim, ..."
O confronto com as vivências passadas e a falta de informação sobre aqueles que tinham deixado para trás ou sobre os familiares que tinham fugido a outros países foram uma preocupação constante para muitos judeus alemães. Em carta datada de 16 de setembro de 1941, Moses Goldschmidt descreve a dor e as “noites em branco” que a separação de sua filha (fugida para a Índia) lhe causaram. A difícil situação financeira também pesava sobre ele. Nesta situação de tantos desafios, os encontros e as amizades com outros refugiados judeus alemães tornaram-se muito importantes. Não foi apenas o intercâmbio e a construção de novas redes sociais, mas também as memórias comuns da “velha pátria” e as tradições compartilhadas que o ajudaram, como escreveu em uma carta datada de 12 de outubro de 1941. “Outro dia, no café, tivemos uma torta de morango cuja base era uma massa podre de primeira, e um puffer (tipo de bolo alemão) – doces lembranças de nossa Alemanha”. Na mesma carta, ele prosseguiu enfatizando: “Mesmo um jantar frio não foi nada mau. Agora, eu poderia até jogar Skat (jogo de cartas muito apreciado no norte da Alemanha), se me desse na telha”. Em contraste com estas experiências positivas, muitos refugiados tinham que lidar com as duras realidades que não cessaram de os confrontar. Em 1943, Moisés Goldschmidt escreveu à filha: “... quão feliz não ficaria se um dia pudesse acolher vocês no porto de Porto Alegre ou do Rio. Mas não quero construir castelos no ar”. Além da esperança de uma reunião com os familiares, havia outra coisa que Moisés Goldschmidt e outros emigrantes alemães-judeus consideravam fundamental: “...viver o suficiente para ver os nazistas punidos”.
Como metrópole econômica do Brasil, a muitos refugiados judeus-alemães São Paulo ofereceu boas oportunidades para construir uma nova vida. Alguns conseguiram utilizar as qualificações profissionais adquiridas na Alemanha. Outros, entretanto, tinham que encontrar novos campos de trabalho, o que para muitos foi um desafio considerável. Esta é provavelmente uma das razões pelas quais se criou uma rede judaico-alemã, o que ajudou os refugiados não apenas em nível profissional. Já em 1933, o Dr. Ludwig (Luís) Lorch, com a ajuda da esposa Luiza (née Klabin), fundou a Comissão de Assistência aos Refugiados da Alemanha (CARIA), que prestava assistência a muitos refugiados. Lorch também criou a base para a fundação da Sociedade Israelita Paulista (SIP, 1934), bem como para a Congregação Israelita Paulista (CIP, 1936/37), uma comunidade judaica que se tornou um centro para os refugiados judeus alemães. Entre os fundadores estavam o Dr. Hans Hamburger, ex-juiz da Suprema Corte em Berlim (imigrado em 1936), Dr. Alfred Hirschberg (imigrado em 1940), ex-funcionário do C. V. e editor do jornal C. V. – (CentralVereins-Zeitung – importante jornal semanal dos judeus no Terceiro Reich), Fritz (Frederico) Zausmer, Wilhelm (Guilherme) Krausz (imigrado em 1925) e o rabino Dr. Fritz Pinkuss (imigrado em 1936). Foi esta rede judaico-alemã em São Paulo em particular que tornou a metrópole brasileira atraente para muitos refugiados judeus, já que facilitou um recomeço e a construção de uma nova vida, sem esquecer as próprias raízes.
Ao lado de sentimentos de salvação e liberdade, a chegada ao novo país Uruguai também trouxe preocupações acerca da existência econômica. Para a maioria das famílias germano-judaicas, especialmente aquelas que haviam levado uma vida de classe média, como os Hammerschlag, a emigração significou um declínio econômico. A falta de conhecimentos linguísticos e uma experiência profissional que em muitos casos não correspondia às necessidades locais, tornavam a busca de um emprego complicada. Na entrevista de 1955 que Steffi Hammerschlag (depois Wittenberg), junto com o marido Kurt Wittenberg, deu à Werkstatt der Erinnerung (workshop de memória) ela se lembra de que estas “limitações” foram perceptíveis desde o início. Mesmo para as crianças, para que a integração era muitas vezes mais fácil, a falta de conhecimentos linguísticos era um desafio na vida cotidiana. Steffi Hammerschlag, por exemplo, teve que frequentar as aulas na escola sem, nos primeiros dias, entender uma única palavra. Ao mesmo tempo, os contatos que se estabeleceram e a indispensável aprendizagem da língua espanhola num tempo recorde, ajudaram-na a encontrar seu caminho no novo ambiente. Steffi Hammerschlag frequentava, por exemplo, o clube de esporte judeu Maccabi, onde conheceu outros emigrantes judeus-alemães.
“Para nós é diferente. Quando arribamos não carregamos o nosso pacote nos ombros, mas carregamo-lo como uma carga pesada dentro de nós. Em vez de saudades de nosso país, trouxemos conosco a dor da velha pátria, que era todo um continente que atravessamos fugindo. Escapamos, fomos perseguidos, conseguimos deixar o navio que entrara no porto como um penetra só depois de muitas formalidades”.
Mesmo depois da emigração e do resgate, os emigrantes ficavam observando a situação na Alemanha nazista de perto, e além da preocupação pelos familiares e amigos, alguns pensavam numa luta política concreta por uma Alemanha diferente, o que tornaria possível uma volta à antiga pátria. Rudof Heymann, por exemplo, como sócio do grupo de resistência “Das andere Deutschland” (A outra Alemanha), tornou-se membro da comunidade política exilada de língua alemã, na qual os dois grupos antifascistas “Das andere Deutschland” (A outra Alemanha) e “Freies Deutschland" (Alemanha livre) competiam entre si. Debatia-se a organização de uma nova Alemanha a ser construída após a guerra. Rudolf Heymann via nessas discussões uma expressão da focalização dos emigrantes na Europa, a maioria dos quais continuava a se sentirem alemães. Kurt Wittenberg, mais tarde marido de Steffi Hammerschlag, se engajava no “Comitê Antifascista Alemão da Alemanha Livre” em Montevidéu e, o mais tardar a partir de 1943, serviu como seu secretário. Nessa função ele participou de manifestações e foi coautor de apelos como aquele que foi lançado quando da captura de Berlim, em 2 de maio de 1945, e que rezava: “Os alemães livres que vivem na hospitaleira República do Uruguai estão prontos para retornar à velha pátria, libertada pelos Aliados, a fim de limpar o último canto da Alemanha da peste marrom”.
Em 1946, a diretoria da Nueva Congregación Israelita de Montevidéu pôde lembrar dez anos de trabalho congregacional e de desenvolvimento, e anunciar uma fase de consolidação. A comunidade fora fundada dez anos antes, em 6 de junho de 1936, como Comunidade da Sinagoga de Montevidéu, iniciada por 14 imigrantes da Alemanha. O fato de que a formação de uma comunidade foi inicialmente fortemente marcada pela ideia de apoio social fica evidente pelo fato de que o primeiro presidente Mauricio Speyer também foi presidente da associação de ajuda, a Asociación Filantrópica Israelita del Uruguay. Nos próximos anos, a congregação teve um rápido aumento de membros, também devido ao número crescente de imigrantes: Enquanto em 1937 tinha 167 membros, em 1946 já eram 4.500. Nesta época, a comunidade mantinha um centro comunitário, duas sinagogas (Maldonado e San Salvador), uma escola religiosa, uma sociedade funerária, uma comissão cultural, assim como o jornal comunitário (Boletín Informativo), publicado semanalmente desde 1941, do qual são retiradas as páginas aqui apresentadas. Em 1940, o Estado uruguaio reconheceu a Asociación oficialmente. Os serviços foram complementados por infraestruturas sociais de outras comunidades judaicas, por exemplo por um asilo de idosos e órfãos, bem como por uma rede de serviços de apoio e associações como a Federação de Mulheres, a União Sionista ou clubes esportivos.
A emigração como cesura biográfica e familiar, e a busca por filiações.
“Não que tenhamos nos integrado rapidamente. Não só a língua estrangeira foi um obstáculo, mas também o estilo de vida tão diferente desses azuis como o céu. Estávamos acostumados a viver em casa, dentro das próprias paredes. Na rua, tudo estava frio num duplo sentido. Em Buenos Aires, porém, mesmo os negócios se faziam numa cafeteria, e você podia ter certeza de que alguém que você acabou de conhecer poucos minutos atrás afirmaria seriamente ser grande amigo seu e acharia difícil esconder uma risada se você dissesse um adeus um pouco forçado, com um aperto de mão teso, talvez com um leve sinal de toque dos calcanhares. Nós, emigrantes, ficávamos entre nós, perto uns dos outros por muito tempo, e nas tardes de sábado, a vida social se passava exclusivamente em casa, de maneira bem comportadinha."
Em seu texto literário escrito em 1988, Detlef Aberle descreve a vida em Buenos Aires, para onde sua família emigrara em maio de 1938. Após o clima opressivo causado pelo permanente agravamento da situação política na Alemanha nazista, nesta passagem Aberle descreve a sensação de vida na nova terra, a Argentina, que era só leveza e sociabilidade. Enquanto ele, com seus 16 anos, estava aberto para aceitar a nova vida, até com muita curiosidade, o trecho também deixa transpirar o medo de contato com o ambiente argentino por parte de muitos outros imigrantes judeus-alemães. A falta de conhecimento da nova língua e das diferenças culturais, especialmente no começo, levou muitos a se moverem principalmente dentro da própria comunidade. Criaram suas próprias redes, associações e lugares onde se encontrar e trocar ideias – assim, por exemplo, a Associação de ajuda ou a Escola Pestalozzi. Muitos dos imigrantes judeus alemães viviam no Bairro Belgrano, onde se visitavam e mantinham as tradições culturais, linguísticas ou culinárias da antiga terra natal. Detlef Aberle, por exemplo, encontrou um novo lar na sinagoga liberal Bnei Tikvá, que ele frequentou regularmente até pouco antes da morte e onde ele tinha uma função na administração. Nas sinagogas não foram somente os rituais e a arquitetura, mas muitas vezes também o mobiliário e os objetos de culto que criaram uma ponte para a antiga pátria. Em geral se pode dizer que a prática do judaísmo liberal foi um legado da imigração judaica de língua alemã; além das práticas vividas, foram rabinos como Wilhelm (Guillermo) Schlesinger e outros graduados do Seminário Teológico Judaico de Breslau que estabeleceram esta tradição do judaísmo na Argentina.
Ainda que, neste pequeno trecho da entrevista, Detlef Aberle se autodenomine “argentino”, é claro que a língua e a cultura alemã permaneceram seu lar intelectual ao longo da vida, o que se mostra, sobretudo, no fato de ele ter escrito seu ensaio literário “Aufbau im Untergang” (construção em meio ao declínio) em alemão. A língua alemã, porém, foi cultivada não só por Detlef Aberle, mas também pelos círculos germano-judaicos em geral. O fato de muitas crianças frequentarem a Escola Pestalozzi se deveu fortemente ao desejo de passar a própria língua para as crianças. No decorrer das décadas e nas gerações seguintes esta tendência diminuiu, de maneira que as instituições anteriormente bastante autônomas foram absorvidas pelas grandes comunidades judaicas.
Acima de tudo, a Congregação Israelita Paulista (CIP) virou um centro judaico-alemão ou centro judaico germanófono na cidade, já que reunia não apenas refugiados judeus da Alemanha, mas também da Áustria. A comunidade judaica seguia a ideia de uma comunidade unificada, ou seja, promoveu a união de todas as correntes do judaísmo sob um mesmo teto. Ao lado de um pequeno grupo conservador, a maioria seguia a tradição da Reforma, que teve suas raízes no judaísmo alemão reformatório. O rabino Dr. Fritz Pinkuss, que imigrou em 1936, tornou-se o mais importante líder religioso para a comunidade e a CIP, e fez da recém-consagrada sinagoga Etz Chaim (1957) um centro da vida judaica na cidade. As antigas famílias judaico-alemãs, como a família Silberberg, sentiam-se intimamente ligadas à sinagoga e à comunidade, o que ilustram muito bem as fotos de casamento de Claudio Silberberg, filho de Walter e Gerda Silberberg. A medida em que esta congregação preservava as tradições judaicas alemãs se mostra não apenas nas tradições religiosas, mas também nas atividades sociais, no trabalho juvenil e na assistência social que a congregação fornecia. Comunidades judaico-alemãs parecidas se formaram no Rio de Janeiro (Associação Religiosa Israelita, ARI, 1942) sob o rabino Dr. Heinrich Lemle, e em Porto Alegre (Sociedade Israelita Brasileira de Cultura e Beneficência - SIBRA), as quais mantinham laços estreitos e uma troca de informações.
“Este país me acolheu, aqui me sinto aceita, por isso faço parte dele. O Brasil é minha nova terra”. (Eva Sopher, 1955)
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a maioria dos judeus alemães que tinham fugido ficava no Brasil, considerando este país não como algo transitório, mas como a nova terra deles. Alguns dos refugiados tinham dificuldades para se integrar na sociedade brasileira, a maioria, porém, se adaptou rapidamente e conseguiu uma consolidação econômica. Para isso ajudaram também as múltiplas associações e instituições que os judeus alemães tinham fundado ou utilizavam em São Paulo. O Clube “A Hebraica”, inaugurado em 1957, se tornou uma dessas associações importantes (hoje com cerca de 33.000 membros). Além disso, as comunidades judaicas registraram um crescimento considerável, de modo que, em 1966, havia cerca de 125.000 judeus vivendo no Brasil, numa população total de 85 milhões de habitantes. Desses judeus 50.000 moravam no Rio de Janeiro, 45.000 em São Paulo, 12.000 em Porto Alegre, 3.000 no Recife e 2.000 respectivamente na Bahia, em Belo Horizonte e em Curitiba. Nas décadas seguintes, muitos desses refugiados se tornaram judeus brasileiros, preservando, porém, suas tradições religioso-culturais e às vezes passando a língua alemã à geração seguinte. Além do permanente confronto com o próprio passado judaico-alemão, enquanto novos cidadãos brasileiros eles também tiveram que enfrentar a realidade no terreno. Em 1964, os militares encenaram um golpe de Estado e estabeleceram uma ditadura militar que durou até 1985, o que inicialmente criou temores entre os ex-refugiados.
Entre 1933 e 1945, cerca de 9.000 judeus alemães imigraram para o Uruguai, também chamado a “Suíça da América do Sul”. Além disso, havia um grupo bastante numeroso de judeus da Europa Oriental e outros que eram de origem sefardi. A vida religiosa foi organizada de acordo com as Landsmannschaften (associações territoriais) Em sua entrevista de 1995 com o Werkstatt der Erinnerung (workshop de memória), Rudolf Heymann lembra que “o centro comunitário [...] era o verdadeiro refúgio para a grande maioria desses imigrantes, onde se encontraram entre eles”. O programa de rádio em língua alemã “La Voz del Día / Die Stimme des Tages”, que Hermann P. Gebhardt havia lançado em 1938 como “jornal falado” e “emissão anti-Nazista”, informou os ouvintes, entre eles judeus de língua alemã, sobre a política interna e externa, bem como sobre esporte e cultura. Para muitos, ligar o rádio era um ritual diário fixo.
Depois que Rudolf Heymann se engajara no movimento sionista em Montevidéu e, entre outras coisas, participara da fundação do grupo juvenil Hashomer Hazair, em 1949 ele emigrou para o recém-fundado Estado de Israel. Ele mesmo viu a volta ao sionismo como reação à decepção de não ter acontecido nenhuma rebelião contra o nacional-socialismo na Alemanha - uma esperança que ele compartilhava no Uruguai com outros membros do grupo de resistência socialista de esquerda “A Outra Alemanha”. No final dos anos 50, Rudolf Heymann foi enviado a Berlim como delegado, com o intuito de fundar um movimento juvenil sionista na Alemanha Ocidental. Anteriormente, ele tinha recusado uma oferta parecida de fazer esse trabalho na América do Sul, dizendo que lá ele sempre se sentia estrangeiro. Em Berlim, por outro lado, ele, “camuflado em agente sionista”, rapidamente se sentia “em casa”. A família chegou então a Hamburgo, cidade natal de Heymann, onde ele primeiro trabalhou no escritório da universidade e depois no escritório da imprensa estatal do Senado de Hamburgo. Este foi também o momento em que ele teve que abandonar sua “existência eremita programada”, como chamava a seu “afastamento interno do meio social”. Em vez disso, ele teve que confrontar a própria história e, na base de suas experiências, assumiu a tarefa de construir pontes entre Israel e a Alemanha. Ele também perseguiu este objetivo em suas atividades no âmbito do programa de visitas de antigos habitantes judeus de Hamburgo, criado pelo Senado da Cidade Hanseática, para o qual ele trabalhava. Neste quadro ele também convidou pessoas do Uruguai. Em 1951, também Steffi e Kurt Wittenberg voltaram do exílio nos EUA, onde tinham vivido desde 1948, e iniciaram uma nova vida em Hamburgo. Já que, no momento da partida para os EUA, Steffi Hammerschlag (depois Wittenberg) não tinha nem a cidadania alemã nem a uruguaia, ela tinha que pedir uma permissão de retorno, emitida em agosto de 1947.
Um relacionamento ambivalente com a Alemanha.
“Foi a experiência desta apresentação que me fez cometer essa estupidez que não deveria ter cometido”. No domingo de manhã fui à Gryphiusstrasse, ao prédio de apartamentos alugados onde morávamos durante meus anos de escola no Terceiro Reich. Mas não era a casa que me interessava e, sim, “o caminho através do frio”, que eu queria andar mais uma vez, aquele caminho tantas vezes percorrido e que levou ao sabá Anatevka. Assim, comecei a andar lentamente pelas ruas que me eram tão familiares. Eu sabia que o templo não fora destruído no dia 10 de novembro de 1938, ao contrário da grande sinagoga no Bornplatz, ao lado da Escola Talmud Torah. A razão era que o templo ficava e ainda fica ao lado da delegacia de polícia, e assim a “espontânea raiva popular” foi direcionada ao interior do edifício. Após cerca de 10 minutos eu deixei o Leinpfad à direita, cruzei a Alster - à esquerda ficava o antigo prédio escolar das irmãs Lehmann -, e através do Mittelweg cheguei à Oberstrasse. A primeira coisa que vi foi a lanterna em frente à delegacia de polícia, mas o prédio estava lá, na minha frente, esse prédio que eu tinha mentalmente levado comigo para a América do Sul, e cuja fotografia estava em meus livros de orações. O grande candelabro de sete braços, embutida na fachada, brilhava como sempre. Mas a inscrição “Minha casa será chamada uma casa de oração para todas as nações” desaparecera; em vez disso se podia ler, em gigantescas letras metálicas, “NORDDEUTSCHER RUNDFUNK”.
A emigração forçada levou muitos a se sentirem desarraigados (para sempre). Ao passo que os sentimentos em relação à nova pátria podiam ser de gratidão, como descrito por Detlef Aberle em sua entrevista com a Werkstatt der Erinnerung (workshop de memória), muitas vezes o relacionamento com a antiga pátria foi complicado, já que estava sempre ligado a um confronto com o passado e, por causa disso, geralmente ligado a uma dor e um sofrimento incomensuráveis. Mesmo Detlef Aberle, na entrevista acima mencionada, fala de sentimentos ambivalentes: uma grande familiaridade com os lugares que ele conhecia tão bem na infância e na juventude, e, ao mesmo tempo, uma alienação diante da destruição e da forma como esses lugares e o passado mais recente foram maltratados. Apesar disso, Detlef Aberle foi entre aqueles que podiam imaginar um retorno (temporário) à antiga casa na Alemanha, quer dizer a Hamburgo. Um passo, porém, que ele não deu; seu lugar de residência permaneceu Buenos Aires, mas viagens (de negócio) o levavam muitas vezes à Europa e à Alemanha, onde ele também visitava sua cidade natal, Hamburgo.
O Templo Libertad foi construído em 1931 e, um ano mais tarde, equipado por Eberhard Friedrich Walcker com um órgão Walcker, especialmente construído em Ludwigsburg para esta sinagoga. Hoje, no mundo inteiro resta só um total de três órgãos Walcker, já que todos os outros foram destruídos pelos nacional-socialistas. Ao lado de várias outras sinagogas no bairro de Belgrano, a principal área residencial de imigrantes germano-judaicos, o templo liberal foi utilizado pelas comunidades asquenaze e de língua alemã. Sua importância como lugar do patrimônio cultural judaico-alemão se reflete no fato de que a restauração do órgão, em 2016, foi financiada pelo Programa de Preservação Cultural do Ministério Federal das Relações Exteriores da República Federal da Alemanha, e de que a inauguração do órgão aconteceu na presença da chanceler alemã Angela Merkel. Em seu discurso, Merkel enfatizou a importância da Argentina como lugar de refúgio para judeus perseguidos durante a era nazista e caracterizou a sinagoga como uma “ponte entre a Argentina e a Alemanha”.
Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, os refugiados judeus alemães se perguntavam até que ponto seria possível um “relacionamento normal" com sua antiga pátria alemã, já que as experiências de perseguição, exclusão e assassinato de membros da família eram difíceis de aguentar. Carola Silberberg (née Strauss), nascida em Hamburgo em 13 de outubro de 1889, ainda tinha conseguido fugir para Buenos Aires / Argentina, onde seu passaporte foi reemitido em 1941. O claramente visível carimbo “J” a discriminava como judia mesmo no exílio, de acordo com as leis raciais nazistas e comprovava que ela não era considerada membro da comunidade nacional nazista. Apesar dos insultos e das chicanas, da perseguição e da exclusão por parte do Estado alemão durante a era nazista, em 1957 Carola Silberberg decidiu - junto com o marido Theodor Silberberg – aceitar a cidadania da República Federal da Alemanha. Em 25 de setembro de 1957, ela recebeu seu novo passaporte alemão - emitido pelo Consulado Geral em São Paulo, para onde se havia mudado para (re)unir-se com os membros de sua família Silberberg. Enquanto algumas famílias germano-judaicas estavam abertas para chegar a um compromisso com a sociedade e a história alemãs, para outras um tal passo era difícil. Pois significava não apenas aceitar as próprias experiências de exclusão e expulsão, mas também conformar-se com o fato de que membros da família tinham sido assassinados. Alguns dos refugiados eram os únicos que tinham sobrevivido no exílio, e só depois do fim da Segunda Guerra Mundial eles souberam da deportação e do extermínio de suas famílias.
Quão difícil foram as tentativas de aproximação com a “velha pátria” para muitos refugiados judeus alemães em São Paulo ficou evidente nas reações ambivalentes dos ex-judeus às visitas de delegações governamentais da República Federal da Alemanha ao Brasil. Ao mesmo tempo, porém, houve viagens de ex-judeus alemães para a ainda jovem República Federal da Alemanha. Em 1962, por exemplo, o rabino Dr. Fritz Pinkuss, antigo rabino chefe de Heidelberg, posteriormente rabino chefe da Congregação Israelita Paulista em São Paulo, viajou pela Alemanha, a convite do jornal judaico semanal. Numa entrevista emitida pela estação de rádio SWR, com o título “Conversa sobre a relação entre judeus e alemães”, Pinkuss tentou definir sua relação com a “velha pátria” Alemanha. Como “nativo alemão e europeu”, como Pinkuss o formulou na entrevista, ele apreciava os desenvolvimentos atuais na República Federal. Especialmente no rompimento com o “íntimo sentimento nacional do passado" ele via um desenvolvimento positivo, fundamental para a construção de uma Europa moderna. Ao mesmo tempo, ele enfatizou que “não se podia exigir de ninguém que esquecesse o passado”, aludindo à responsabilidade especial que cabia à República Federal da Alemanha e ao povo alemão. Para isso, ele considerava necessários “novos encontros entre alemães e judeus”, a fim de garantir uma forma responsável de lidar com a história. Nisso, a juventude alemã ocuparia uma posição central, pois, a seu ver, ela era o garante de uma “nova Alemanha, uma nova Europa”. Enquanto brasileiro e judeu, na mesma entrevista ele também defendeu a prisão de Adolf Eichmann na Argentina e sua transferência e condenação em Israel, já que considerava este processo criminal uma coisa justa diante das atrocidades nacional-socialistas organizadas por Eichmann.
As notas lidas por Rudolf Heymann no trecho da entrevista que ele deu ao Workshop de Memória em 1995 deixam transpirar a tentativa de chegar a um acordo com sua relação ambivalente com a antiga e nova pátria. O retorno à Alemanha - como Rudolf Heymann enfatiza - não foi por razões econômicas e, por isso, implicava um confronto com o passado, com a própria história. Enquanto ainda evitava o confronto com os túmulos de seus parentes, ele não podia escapar ao confronto com a sociedade majoritária da Alemanha Ocidental e como esta lidava com o Nacional-socialismo. Além da carga emocional, se apresentaram as dificuldades de uma “aproximação” formal, por exemplo, na recuperação da cidadania alemã. Um exemplo disso é a carta que, em novembro de 1950, Kurt e Steffi Wittenberg enviaram ao presidente do distrito de Würzburg, antes da travessia do Texas para Hamburgo.
Desde seu retorno a Hamburgo, a partir do final dos anos 70, Steffi Wittenberg viajou regularmente ao Uruguai. Em 1957, junto com o filho Andreas Wittenberg de cerca de dois anos de idade, ela visitou seus pais e o irmão em Montevidéu pela primeira vez. A importância do Uruguai para a família se mantinha nas gerações seguintes. Assim, por exemplo, ambos os netos de Steffi Wittenberg passaram um tempo no Uruguai, também graças aos contatos com os parentes e amigos que nunca cessaram.
Depois do estabelecimento da ditadura militar, em 1973, Steffi Wittenberg também começou a se engajar para prisioneiros políticos. Parte da motivação foram as próprias experiências como imigrante no Uruguai. Assim, ela queria devolver parte da solidariedade que havia recebido. Por meio de numerosas cartas e conversas, e em cooperação com Anistia Internacional, ela conseguiu convencer políticos e outros representantes da República Federal da Alemanha a defenderem os presos políticos em negociações com os militares uruguaios.
[Leia mais: O Legado da Emigração]O Stolperschwelle (pedra de tropeço) como variação especial da forma comemorativa dos Stolpersteine (pequenas placas comemorativas embutidas na calçada) foi embutido em 2017, na presença de representantes do governo, representantes de várias embaixadas assim como a de Anna Warda enquanto representante da fundação “SPUREN - Gunter Demnig” (VESTÍGIOS – Gunter Demnig). Foi o primeiro Stolperstein fora da Europa. A inscrição nessa plaquinha é uma citação da ex-aluna da Escola Pestalozzi Margot Aberle Strauss: “A escola me deu uma sensação de segurança e aliviou o trauma da emigração”. Como a citação evidencia, a plaquinha lembra a chegada num novo país e a escapada ao nacional-socialismo bem-sucedida. Ao mesmo tempo, ela nos adverte a manter viva a memória de todos daqueles que não conseguiram fugir mas foram deportados e assassinados - assim como as plaquinhas nas calçadas na Alemanha e na Europa, que são colocadas no último lugar de residência voluntariamente escolhido pelos judeus.
“é muito mais fácil entrar em contato quando não se tem - digamos - um passado tão diferente..."
As “chicas del lunes” (meninas de segunda-feira) são ajudantes voluntárias no Hogar Adolfo Hirsch, um asilo de idosos para imigrantes judeus de língua alemã, fundado em 1940 pela Associação de ajuda dos judeus de língua alemã (Asociación Filantrópica Israelita) em San Miguel, ao norte da capital argentina. Nos anos 30, muitos de seus residentes, assim como as voluntárias, tiveram que fugir da Alemanha devido à perseguição nacional-socialista, muitos através do porto de Hamburgo. O Hilfsverein (Associação de ajuda) ajudou os recém-chegados nas formalidades de entrada e na busca de moradia e de trabalho. Muitos têm se sentido ligados ao Hilfsverein até hoje e por isso se engajaram como voluntários. No Hogar Hirsch, os moradores e as ajudantes preservaram “um pedaço da Alemanha”, como Corinna Below o formulou no seu projeto de entrevistas do mesmo nome . A língua e a cultura comuns assim como as experiências de emigração e as memórias compartilhadas são um fator unificador.
Os traços dos judeus alemães em São Paulo e Hamburgo são muitos. No cemitério judeu de Tristeza, Porto Alegre, por exemplo, fica o túmulo de Moses Goldschmidt. Suas esperanças, formuladas numa carta à filha em Mumbai / Índia, de sobreviver à guerra e reunir sua família outra vez, não se realizaram. Ele morreu já em 12 de agosto de 1943. No seu espólio se encontraram suas memórias que foram publicadas por sua família em 2004, sob o título “Minha vida como judeu na Alemanha 1873 - 1939”. Os túmulos de Walter e Gerda Silberberg se encontram no cemitério judeu Butantã, em São Paulo. Walter Silberberg morreu no dia 11 de abril de 1987 e Gerda Silberberg em 25 de março de 2003. Ao longo de suas vidas eles se sentiram ligados à Congregação Israelita Paulista em São Paulo. Além dos túmulos, há outros lugares de memória em São Paulo, como a Homenagem em Memóriam às Vítimas do Nazismo no Cemitério Judaico do Butantã ou o Museu Judaico em São Paulo, recém-inaugurado em 2021 e que também comemora a história dos refugiados judeus alemães.
Com a colocação dos Stolpersteine (pequenas placas comemorativas embutidas na calçada) em Hamburgo para membros individuais da família Silberberg também foram criados lugares de lembrança em Hamburgo. Em abril de 2018, a pesquisadora Sonja Zoder, fundadora da iniciativa Stolpersteine Hamburg - Biographische Spurensuche (pedras de obstáculo em Hamburgo – busca biográfica por vestígios) publicou uma extensa biografia familiar que tratava dos membros da família que pereceram no Shoah e não conseguiram emigrar para o Brasil, como Henny Silberberg (assassinado em Theresienstadt em 1942), Rosalie Strauss (assassinada em Theresienstadt em 1943) ou Peter Silberberg (assassinado em Auschwitz em 1942). Esses Stolpersteine (pedras de obstáculo) em Hamburgo tornam visíveis a história de perseguição e extermínio, mas também de expulsão e fuga - neste caso para São Paulo.
A Congregação Israelita Paulista (CIP) se tornou uma das mais ativas e maiores comunidades judaicas da América Latina, onde muitos refugiados judeus alemães e seus descendentes se engajavam e se sentiam em casa. Claudio Silberberg, que nasceu em São Paulo em 1943, tal como o filho de Walter e Gerda Silberberg, se engajou na organização da CIP e transmitiu aos filhos muitas das tradições que ele havia vivenciado e aprendido na casa paterna e na comunidade. A configuração específica dos vários rituais, como Bar e Bat Mitzvahs, também simboliza a herança judaico-alemã cultivada no Brasil. Enquanto o conhecimento da língua alemã foi diminuindo nas gerações seguintes, o que reflete o bem-sucedido processo de integração de muitos judeus na sociedade brasileira, muitas vezes se mantinha um vínculo com as raízes judaico-alemãs - através de tradições religiosas, culturais ou culinárias. Além disso, cartas, passaportes, documentos e objetos foram preservados o que possibilitou a reconstrução da história familiar e urbana de muitos judeus alemães em Hamburgo e em São Paulo. Assim, esta parte frequentemente escondida da história foi dada à luz.
Enquanto, em 1951, Steffi e seu marido Kurt Wittenberg haviam retornado a Hamburgo e Gerd Hammerschlag havia constituído uma família em Israel, os pais, Margot e Franz Hammerschlag, permaneceram no Uruguai durante o resto da vida. Embora viessem a Hamburgo regularmente para visitas – enquanto a saúde o permitia - para eles um retorno permanente estava fora de questão. No Uruguai e especialmente nas redes e estruturas da comunidade judaica (alemã) eles haviam encontrado seu novo lar. Franz Hammerschlag faleceu em 6 de março de 1983 e Margot Hammerschlag em junho de 1984. Os dois anúncios funerários que foram publicados na revista comunitária de língua espanhola “La Voz Semanal”, se referem à comunidade de emigrantes judeus-alemães na qual Margot Hammerschlag se engajava até a morte. Os túmulos de Franz e Margot Hammerschlag se encontram em Montevidéu e são um testemunho de pedra da história de uma família de alemães-judeus-uruguaios.
Relatar sobre a própria vida como “testemunha contemporânea” não foi fácil para Steffi Wittenberg, embora pensasse que “nada de realmente ruim lhe tinha acontecido”. Ela pensava que outros tinham mais pra dizer. Isto incluía sua amiga do peito, a sobrevivente de Auschwitz Esther Bejarano, com quem ela, em 1986, fundou o Comitê de Auschwitz na República Federal da Alemanha. O que ela havia vivenciado provavelmente só lhe pareceu digno de ser relatado no contexto da publicação do livro de Ursula Randt sobre a história da Israelitische Töchterschule (escola israelita para filhas), em 1984. Ela havia ativamente participado da redação do livro.
Ela falou de si mesma pela primeira vez em março de 1984: na 4ª Hamburger Frauenwoche (Semana das Mulheres de Hamburgo), houve um evento “Mulheres lutando pela libertação - ontem e hoje. O exemplo da resistência antifascista das mulheres na Alemanha nazista e na América Latina. Testemunhas contemporâneas relatam, com a participação de palestrantes de Hamburgo, Chile e Uruguai.” Steffi Wittenberg fizera parte do grupo preparatório. Na discussão que se seguiu aos relatórios, ela se apresentou “como uma criança de perseguidos judeus” que haviam encontrado refúgio no Uruguai, e falou sobre a própria vida. Como na entrevista realizada dois anos depois para o Workshop de Memória, num evento do Centro hamburguês de Literatura de Exílio Alemã, anunciado para 4 de novembro de 1993, Steffi Wittenberg se apresentou junto com o marido, Kurt Wittenberg, com quem compartilhara não apenas as experiências de emigração, mas também o engajamento político.
Uma exposição tão extensa só pôde ser realizada graças ao amplo apoio de indivíduos, instituições e organizações. Agradecemos a todos os que participaram e nos apoiaram de uma forma ou de outra. Em particular, gostaríamos de agradecer a todos as pessoas e famílias envolvidas, pela confiança que depositaram em nós, por compartilhar suas histórias pessoais e por disponibilizar documentos pessoais, entre eles:
Indispensável foi também o apoio das seguintes pessoas e instituições:
Gostaríamos de agradecer pelo apoio financeiro:
Fundação Científica de Hamburgo e do Departamento Cultural - Embaixada do Brasil em Berlim.
Concepção e textos (exceto o capítulo “no país de chegada”): Anna
Menny,
Björn Siegel,
Textos capítulo “no país de chegada”: Regina Bacher, Viktor Graimprey, Jakob Gruber, Tabita N.
Pfleger, Stephanie
Sackl.
Realizção técnica: Anna Neovesky,
Tradução: Insa Kummer (inglês), Nelly Castro (espanhol), Reinhard Kißler (português).
Status: 23 de outubro de 2022.